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Filtro dos Sonhos

“Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando,

foi justamente em um sonho que ele me falou” Raul Seixas

O Nicolau Chaud fez um questionamento no grupo de Analise do Comportamento do Facebook sobre os sonhos na clínica e, como já havia conversado sobre este tema com ele tempos atrás, resolvi compartilhar a minha experiência pessoal sobre o tema.

Já adianto que este é um relato pessoal sobre o assunto, portanto não pode ser generalizado para todos os casos sem um estudo aprofundado sobre o tema. Contudo, acredito que esta pode trazer dados que ajudarão os psicólogos clínicos na compreensão dos sonhos.

Relato do sonho e como este influenciou a minha vida

Ao chegar em casa em um final de tarde após um temporal, mas já com o tempo limpo, observo um bicho na grama próximo a roseira. Ao perguntar para a babá do que se tratava, ela me disse que era um filhote de passarinho. “Mas ele não tem penas”, indaguei. E ela me explicou que eles nasciam assim e só mais tarde ganhavam penas e muito depois poderiam voar. Perguntei o que aconteceria com ele e ela me disse que, naquelas condições, ele morreria.

Aquilo me impressionou. Pela primeira vez, aos seis anos de idade, havia me deparado de forma tão explicita com a fragilidade da vida.

Naquela noite eu tive um pesadelo. Não lembro com clareza deste primeiro sonho, mas ele estava ligado a cena da tarde. Acordei assustada. Minha mãe disse para eu ir dormir no quarto dela e de meu pai. Isto não era pouca coisa. Meus pais trabalhavam muito, ficavam muito tempo fora de casa, e tenho duas irmãs mais novas. Atenção era um artigo disputado.

Sendo assim, aquela concessão não era um acontecimento rotineiro; ela provavelmente foi a maior distinção que eu recebia em muito tempo.

A cena se repetiu mais algumas vezes ao longo daquele ano. Os pesadelos não eram diários, mas aconteciam com frequência, e foram se tornando cada vez mais elaborados e assustadores.

Certo dia a minha mãe não permitiu mais que eu fosse para o quarto dela quando estivesse com medo. Não lembro exatamente como foi ou o que ela disse, mas o recado era que eu deveria me virar sozinha com os pesadelos sem incomodar as minhas irmãs que dormiam no mesmo quarto.

Se não me engano ela se irritou porque, além dos meus pesadelos frequentes que atrapalhavam o sono dela, minhas irmãs também passaram a relatar sentirem medo para poderem ir dormir no quarto de minha mãe.

O problema é que os pesadelos não cessaram com a proibição. Continuei a tê-los. Era insuportável ficar na cama. Frequentemente me levantava e ficava esperando passar o medo para poder me deitar novamente. Os pesadelos continuaram pela infância afora e chegaram a adolescência.

Durante a adolescência ganhei um quarto só para mim. Nas noites de pesadelos já era possível ligar a luz do quarto, arrumar novamente a cama, até me assegurar de que não haviam passarinhos mortos entre as cobertas. As vezes, minha mãe percebia as luzes acesas e perguntava pela manhã se eu tinha acordado a noite e eu confessava que tivera um pesadelo. Nestas conversas, não revela o conteúdo, afinal, na adolescência eu já tinha noção do ridículo que é sentir medo de pássaros.

Obviamente meu medo de pássaros (que descobri neste exato momento que tem um nome próprio: ornitofobia) não se restringia aos pesadelos. Apesar de adorar assistir documentários, nunca assistia os que eram sobre pássaros. Não gostava de ver fotos de pássaros em revistas e livros, sobretudo os pequenos. Ver um pássaro morto na rua era sempre um susto grande e garantia de desvios no caminho pelos próximos dias. E até meu futuro profissional foi influenciado por este medo: o principal motivo de eu ter desistido de cursar a faculdade de Agronomia, profissão do meu pai, foi o medo de achar pássaros mortos no meio da lavoura. É ridículo e é muito triste. Por sorte, gosto do que faço hoje.

Qual era o meu maior medo? Meu maior medo ao ver um pássaro era que ele pudesse desencadear um pesadelo durante a noite. A minha evitação dos animais era pelo medo de sentir medo.

Quando fiz dezessete anos e entrei no curso de psicologia fui morar sozinha em outra cidade. Os sonhos diminuíram de frequência. Mas não se extinguiram. Hoje sei,depois de muita observação, que eles sempre apareciam – e aparecem – quando estou passando por uma fase difícil. Quando descobri isso, eles se tornaram mais fáceis de lidar.

Com o tempo aprendi a me expor aos estímulos que me assustavam. Agora consigo passar ao lado de pássaros mortos na rua sem sobressaltos ou medo, como aconteceu hoje. Consigo ver figuras de pássaros, vê-los em zoológicos e até passar ao lado de pombos na rua sem problemas, apesar de estas nem sempre serem situações confortáveis elas não me impedem de fazer nada.

Mesmo com os pesadelos, aprendi a me acalmar mais rapidamente para voltar a dormir.

 Ornitofobia - kid

 “Eu tive um sonho ruim e acordei chorando. Por isso eu te liguei.”

Herbert Vianna

 

Análise dos Pesadelos

(Para os analistas do comportamento mais experientes essa parte do texto é desnecessária, tenho certeza de que vocês já conseguiram entender as deixas que coloquei no próprio relato.)

Por fim, os psicanalistas estavam certos: é tudo culpa da mãe.

O primeiro pesadelo que apareceu foi, aparentemente, uma reação normal a um estímulo especialmente forte que aconteceu durante o dia. Isto é comum sobretudo em crianças. Até mesmo rir demais durante o dia pode gerar dificuldades em dormir nas crianças pequenas.

O que tornou esse pesadelos diferente de outros, tantos outros, que tive na infância foi a forma como a minha mãe reagiu a ele. Pela frequência posterior dos pesadelos com pássaros, posso afirmar que, ao me acolher e permitir que eu dormisse no seu quarto, ela reforçou o meu comportamento de relatar sentir medo e aumentou a probabilidade futura de ocorrência dos pesadelos com pássaros.

Com o fortalecimento do comportamento ele aumentou em frequência e intensidade: os pesadelos além de acontecerem outras vezes, se tornaram cada vez mais assustadores. Como as imagens dos pássaros passaram a ser emparelhadas com medo, logo estava sentindo medo de pássaros em outros contextos que não apenas nos sonhos.

Duas coisas interessantes aqui: 1. a modelagem de um sonho; 2. a generalização de algo que acontecia em sonho para outros contextos.

Nenhuma mágica. Comportamento operante clássico.

Por outro lado, os pesadelos também foram emparelhados com o acolhimento. Isso explica porque, mais tarde, ao passar por momentos difíceis, voltaria a sonhar com pássaros. E de alguma forma, por muitos anos as perguntas esporádicas da minha mãe sobre eu ter acordado a noite, podem ter tido função reforçadora o que contribuiu para a manutenção dos sonhos por tantos anos.

Temos ainda um exemplo de modelação, já que as minhas irmãs passaram a relatar pesadelos ao observar o meu comportamento e de minha mãe.

gaiola_aberta

“Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro partiu mas não pegou
Passarinho, me conta, então me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Me diz o que eu faço da paixão?
Que me devora o coração…” 

Tom Jobim

Conclusão
Os sonhos foram tratados por boa parte das sociedades humanas como um fenômeno importante. Na Grécia Antiga, por exemplo, “os poetas da Era Homérica, c. 850 a.C., tratam os sonhos como revelações sobrenaturais concedidas pelos deuses” (ROPP, 2000). Algumas tribos das Américas possuíam até mesmo um Filtro de Sonhos.

“Segundo demonstram algumas linhas do Xamanismo, mesmo de posse do Filtro dos Sonhos, teremos pesadelos, pois eles nos mostram visões de diversos aprendizados que devemos nos atentar. Acredita-se que o filtro impedirá que energias indesejadas interfiram no processo natural e particular de sonhar.”
(Fonte: http://naturezadivina.org.br/textos/cultura-indigena/o-filtro-dos-sonhos/ )

Já no nosso tempo, Freud, juntamente com Breuer, trouxe os sonhos de volta a pauta com o lançamento do primeiro livro de psicanalise em 1900: A interpretação dos Sonhos. A partir disso, passou-se a tentar compreender o conteúdo daquilo que era sonhado por meio de metódos científicos.
Por outro lado, a fisiologia do sono avançou e hoje já sabemos um bocado de como a atividade onírica acontece no organismo. Segundo Varella

“Para o cérebro não faz diferença se é sonho ou realidade. Por isso as recordações das experiências que registramos dormindo são tão vivas. Se analisarmos as ondas cerebrais provocadas pelo sonho, veremos que suas características são semelhantes às dos momentos de vigília. Às vezes, porém, sua intensidade é tanta que para evitar uma reação que nos torne capazes de desferir um soco num inimigo hipotético, no exato instante em que começamos a sonhar, o tronco cerebral é desligado a fim de impedir que os neurônios conduzam estímulos motores. Dessa forma, na fase onírica, a atividade cerebral é máxima e a motora é mínima. Com exceção dos olhos que se movimentam com rapidez, praticamente ficamos imóveis. Isso ocorre durante o sono REM (Rapid Eyes Movement). Se despertarmos nesse período, é provável que nos recordemos com detalhes do sonho que estávamos tendo.”
(Fonte: http://drauziovarella.com.br/letras/s/sonhos/ )

Pesadelo é algo que pode ser considerado aversivo, pois além de eliciar respondentes ligados ao medo e outros sentimentos desagradáveis, também priva quem os tem de sono. E como acontece em um momento em que estamos frágeis e não temos consciência do que provoca ou controla aquilo, o pesadelo se torna absolutamente assustador.

Pela nossa fisiologia, nossos sonhos podem parecer algo real e pela nossa cultura, tendemos a dar importância à aquilo que sonhamos. De alguma forma os sonhos podem ajudar na clinica sobretudo quando o assunto é autoconhecimento. Contudo é necessário ficar atento, pois nem sempre o conteúdo é o mais importante no sonho.

Neste meu relato fica claro que o conteúdo não era o principal e sim a função que o comportamento de relatar pesadelos produziu e que, por consequência, selecionou o conteúdo do pesadelo. Por isso, os medos fóbicos tendem a ser considerados irracionais: não é o objeto em si que nos provoca medo, são as contingências de aprendizagem que nos levaram a apresentar comportamentos de esquiva naquela situação.

Os sonhos não sumiram, mas hoje acontecem em baixa frequência e, quando ocorrem, consigo lidar bem com eles. Apenas para fechar o texto, vou elencar algumas coisas que me ajudaram a lidar com esta fobia:

1. Esse mar de acasos chamado vida;
2. Ter estudado análise do comportamento;
3. Ter feito psicoterapia, que apesar de não tratarem diretamente disso – não lembro de ter contato para as minhas psicologas sobre o assunto – estas me ajudaram a aumentar o repertório de enfrentamento de problemas o que ajudou (e ajuda) a lidar melhor com os “momentos difíceis” em que os sonhos apareciam (… aparecem).

A meu favor, declaro que não tenho medo de baratas.

***

P.S.: Devido a alguns questionamentos resolvi fazer um quadro com a análise funcional do caso. É aproximada, pois como um comportamento complexo, tem mais nuances do que isso.  É uma cadeia comportamental. O reforço liberado após a última etapa do elo, muito provavelmente teve valor reforçador sobre o resto da cadeia. Por isso o reforço liberado após o relato de ter pesadelos fortaleceu também aquilo que o antecedeu: o comportamento de sonhar com pássaros.

Cadeia Comportamental - Sonho Ruim 1

P.S.2: Por ironia do destino, Ortolan é o nome de um pequeno pássaro na Fraça, sendo apreciado como uma iguaria culinária com direito a um ritual específico para ser comido. Obviamente, não é algo que abre o meu apetite.

 http://www.youtube.com/watch?v=qvPJ0hRA6x4

Vai um reforço positivo, chefia?

Boteco Behaviorista é uma espécie de café filosófico virtual de behavioristas radicais brasileiros, só que mais caótico divertido.

Acontece a cada 15 dias, aos domingos, às 21h no horário de Brasília.

O Boteco reúne interessados em discutir Análise do Comportamento e Psicologia em diversas instâncias. Aliás, nem só behavioristas frequentam este Boteco: filósofos, biológos e até um psicanalista já passaram por lá para dar a sua opinião sobre os assuntos tratados, enriquecendo as discussões.

O Boteco é encabeçado por Cesar A. A. Rocha e Felipe Epaminondas. Segundo o Felipe, o surgimento do Boteco se deu da seguinte maneira:

“Há muito tempo tenho me preocupado com meios de divulgar a psicologia e da AC. Acredito que estas duas áreas são muito pouco conhecidas pelo público leigo e esse é um dos motivos que fazem os psicólogos serem vistos com um ar de dúvida e mistério.

A minha primeira ideia foi fazer um podcast no modelo do “Astronomy Cast” mas como isso já existia na AC (BehaviorCast) eu deixei de lado. Quando a ferramenta do Hangout apareceu, o pessoal do Astronomy Cast começou o “Weekly Space Hangout“, um encontro semanal para discutir astronomia. Foi aí que pensei que poderíamos ter algo semelhante. O evento, também promovido por eles, durante o pouso da Curiosity foi o momento em que eu deixei de ficar imaginando “como seria” e montei a proposta para enviar pro César e pro resto do pessoal.”

Mas que tecnologia é esta?

Para que seja possivel essa espécie de grupo de estudos virtual é usada uma tecnologia disponibilizada pelo Google, chamada de Hangout. O Hangout é uma ferramenta que se tornou disponível junto com a nova rede social do Google, o Google Plus, que entrou no ar em meados de 2011. Contudo, só em maio deste ano o Hangout on Air, que é a ferramenta que permite que os bate-papos do hangout sejam transmitidos ao vivo pelo youtube, ficaram disponíveis no Brasil. Isso significa que Felipe e Cesar também foram pioneiros no uso de uma ferramenta recém inaugurada e ainda pouco divulgada no país.

O primeiro Boteco aconteceu no dia 12 de agosto de 2012, às vésperas do principal congresso da área, com o tema “Expectativas para o XXI Encontro da ABPMC”. O segundo foi para discutir o que havia acontecido na ABPMC, e no terceiro a discussão girou em torno do dia do Psicólogo. Eles foram uma espécie de aquecimento para o que viria na sequência, e a partir do quarto Boteco as discussões passaram a acontecer em torno de questões mais específicas da abordagem.

Os criadores do Boteco: mais do que rostinhos bonitos.

Os Botecos costumam contar com convidados especialistas em cada tema a ser debatido, além dos amigos botequeiros de sempre. Um destaque especial deve ser dado às chamadas dos Botecos que costumam sair uma semana antes de cada transmissão com o tema, nome dos participantes, dicas de leitura, e, sobretudo, muito bom-humor. As chamadas em si viraram uma atração à parte.

As transmissões tem ocupado um espaço relevante no contexto da Análise do Comportamento, aprofundando de forma interativa temas clássicos e também temas pouco debatidos na abordagem – ou seja: a ideia inicial do Felipe vingou  rapidamente.

Um papel importante que o Boteco desempenha é o de funcionar como uma contingência que mantem a comunidade verbal de analistas do comportamento conversando. Independente de onde estiver,  se o analista do comportamento – ou aspirante a – possuir acesso a internet ele encontrará uma oportunidade de aprender mais sobre a abordagem ou, simplesmente, se manter falando o behaviorês. Além disso, a linguagem simples e a preocupação com a diversidade temática tornam o programa um bom chamarisco para estudantes de Psicologia e outras áreas encontrarem no Behaviorismo Radical uma boa teoria para embasar as suas diversas práticas.

Apesar do ar de improviso à la mesa de bar, o grupo tem o caos por princípio é organizado em torno de temas definidos com um pequeno roteiro de assuntos a serem tratados a cada encontro, um manual de uso com dicas e regras de como usar o Hangout e um grupo de discussão que os botequeiros usam para se aquecer no tema e trocar referências. Os minutos anteriores ao inicio da transmissão são momentos preciosos para os ajustes técnicos e entrosamento da equipe. Costuma rolar um bate-papo rápido depois, para rir dos inevitáveis problemas técnicos e pontuar o que foi dito.

Como em qualquer bom boteco, os botequeiros estão sempre bebericando algo. As bebidas mais pedidas são água, chá e – claro – cerveja.

Já participaram do Boteco Behaviorista:

– Felipe Epaminondas – Psicológico
– Cesar A. A. Rocha – Colaborador do Comporte-se
– Marcela Ortolan – Metamorfose Pensante, Livros & Afins e Pontuando
– Aline Couto – Behaviorist Lady
– Esequias Neto – Presidente do Comporte-se
– Marcelo Souza – Colaborador do Comporte-se
– Nicolas Rossger
– Natalie Brito – Colaboradora do Comporte-se
– Alessandro Vieira – Olhar Comportamental
– Elaine Nogueira – Colaboradora do Comporte-se
– Jan Luiz Leonardi – Site pessoal Jan Luiz Leonardi
– Jean Diogo
– Marco Varella – Marco Evolutivo
– Kadu Tavares
– Tauane Gehm – Sobre Desenvolvimento
– Ana Arantes – O Divã de Einstein
– Saulo Velasco
– Henrique Pompermaier
– Gabriela dos Santos
– Victor Hugo de Souza
– Oswaldo Rodrigues – Psicologia e Sexualidade
– Giovana Munhoz da Rocha
– Diego Zilio

O caos em andamento.

As transmissões podem ser vistas ao vivo ou é possível assistir as gravações depois. O programa é interativo e podem ser feitas perguntas ao vivo fazendo uso dos comentários do Youtube ou da página do evento que é criada a cada programa. As perguntas que não são respondidas ao vivo costumam respondidas depois pelos participantes nas próprias páginas.

Na semana seguinte a que vai ao ar o Boteco fica disponível o download do programa no formato mp3 e mp4 para ver e ouvir em qualquer lugar.

Temas e links para todos os 9 primeiros Botecos Behavioristas:

– Boteco Behaviorista #1: Expectativas para o XXI Encontro da ABPMC
– Boteco Behaviorista #2: Encontro pós-ABPMC
– Boteco Behaviorista #3: Especial Dia do Psicólogo
– Boteco Behaviorista #4: Biologia, Evolução e Comportamento
– Boteco Behaviorista #5: O que faz mal é o papelzinho? Drogas e comportamento
– Boteco Behaviorista #6: Na cama com Skinner
– Boteco Behaviorista #7: Que diabos é equivalência de estímulos?
– Boteco Behaviorista #8: Psycho killer, qu’est-ce que c’est?
– Boteco Behaviorista #9: Eventos Privados: Behavioristas têm sentimentos?

Gostou? Então curta os videos e a página do Boteco no Facebook para acompanhar as novidades, afinal, o melhor ainda está por vir.

Ps.: O texto contou com a censura colaboração de Cesar A. A. Rocha e Felipe Epaminondas.

Pombos podem ler?

Começo respondendo a pergunta: pombos podem ser treinados a discriminar palavras e se comportarem de acordo com elas se seu comportamento for modelado para tanto.

De certa forma ler é isso. Também nós, humanos, ao nos depararmos com uma palavra nos comportamos em relação a ela da forma como fomos ensinados a nos comportar. Talvez você esteja se conçando para perguntar se há diferenças. A reposta é: há diferenças, sim.

Os princípios do comportamento são os mesmos para pombos e humanos, a diferença está primeiro na biologia: nosso organismo está muito mais preparado para o comportamento verbal do que o organismo do pombo. Isso acontece por um motivo: foram os homens que inventaram a linguagem com que se comunicam. Se fossem os pombos que tivessem “inventado” a linguagem  ela seria bem adaptada ao seu organismo.

Outro motivo: somos treinados para discriminar palavras desde que nascemos. Palavras faladas, escritas, desenhadas…. Temos um treino com palavras muito grande. E isso explica, em parte, porque o comportamento humano de leitura é diferente do comportamento de um pombo treinado a discriminar duas palavras.

Poderia ficar mais um bom tempo fazendo digressões sobre o tema, falar sobre equivalência de estímulos, por exemplo entre outras coisas. Contudo o objetivo deste post não é esse, mas sim apresentar um video de mesmo nome que achei no youtube.

O video “Pombos podem ler?” ou do original “B. F. Skinner on reinforcement” começa justamente mostrado um pombo se comportando de acordo com duas palavras que aparecem em um em um painel na sua frente: peck (bicar) e turn (virar). E a partir disso B. F. Skinner vai explicando como os estudos feitos com pombos podem ajudar a explicar o comportamento humano. Falará sobre esquemas de reforçamento, livre-arbítrio e sobre as causas do comportamento.

E termina com o Skinner falando a seguinte frase:

Agora se você olhar para a história, verá que haviam razões externas para tudo o que aconteceu. Em outras palavras, ao descobrir as causas do comportamento, nós podemos dispensar a causa interna imaginada disto, nós dispensamos o livre-arbítrio como uma divindade americana como D. Edwards o fez no século 18. Ele disse: “Nós acreditamos em livre arbítrio porque nós conhecemos o comportamento, mas não suas causas.” E é claro que o objeto da ciência do comportamento descobrir as causas e uma vez descobertas estas causas há menos necessidade de atribuir o comportamento a um ato de vontade interna e eventualmente, eu acredito que não atribuiremos nada a isso.”

“Todos os pedagogos eruditos são unânimes em afirmar que as crianças não sabem por que desejam determinada coisa; mas também os adultos, como as crianças, não andam ao acaso pela terra, e, tanto quanto elas, ignoram de onde vêm ou para onde vão; como elas, agem sem propósito determinado e, igualmente, são governados por biscoitos, bolos e varas de marmelo: eis uma verdade em que ninguém quer acreditar, embora seja óbvia, no meu entender.”

Goethe, no livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, escrito em 1774.

Este trecho de Goethe sempre chamou a minha atenção por falar que os seres humanos não tem auto-conhecimento e tampouco possuem livre arbítrio. Afirma que adultos agem seguindo os mesmos princípios que as crianças: se comportam para ganhar reforço positivo (bolos, biscoitos) e que para evitar punição positiva (vara de marmelo). E ainda termina indignado com o fato de ninguém querer acreditar em uma verdade tão obvia.

Podia ser qualquer um dos Skinnerianos atuais falando, mas isso foi escrito em 1774.

A vantagem de fazer uso de métodos baseados em princípios cientificamente provados é que eles sempre funcionam. Assim como os físicos não precisam se preocupar se a lei da gravidade funcionará em uma determinada situação, eu posso prever, com um alto grau de certeza, que os princípios do comportamento funcionarão em qualquer situação onde está o comportamento, seja na Terra ou no espaço. As leis do comportamento são em uma estação espacial são são as mesmas que na Terra. São as mesmas na China como elas são nos Estados Unidos. Ao contário do que Dan Pink afirma em seu livro, Drive, eles são os mesmos em qualquer pessoa, independente no nível de instrução, etinia ou origem cultural. Eles são válidos no laboratório assim como são nas fábricas. Como meu amigo italiano, Enico Ottoni, afirmou quando eu estava preocupado com o meu primeiro trabalho fora dos Estados Unidos “Vai funcionar na itália porque os italianos são humanos também”.

 

 

Citação original: 

The advantage of using methods based on scientifically proven principles is that they work every time. Just as the physicist doesn’t have to worry about whether the principles of gravity will hold in a given situation, I can predict, with a high degree of certainty, that the principles of behavior will work in any situation where there is behavior, whether on earth or in space. The laws of behavior are the same in the space station as they are on earth. They are the same in China as they are in the U.S. Contrary to what Dan Pink states in his book, Drive, they are the same with all people, regardless of education level, ethnicity or cultural background. They apply in the lab as they do in the factory. As my Italian friend, Enrico Ottolini, stated when I was worried about ADI’s first work outside the U.S., “This will work in Italy because Italians are people too.”

Citação retirada do artigo de Aubrey Daniels: B. F. Skinner: Why today Bussinesses Need to take a New Look?

Aproximadamente 80 anos atrás, Skinner construiu um aparelho que permitiu estudar o comportamento em sua menor unidade. Esse aparelho ficou conhecido como Skinner Box. Dos estudos que realizou fazendo uso desta caixa ele postulou princípios sobre o comportamento a partir dos quais construiu uma teoria explicativa do comportamento humano e animal conhecida como Behaviorismo Radical.

Na caixa, Skinner e outros estudiosos da teoria que se seguiram, colocaram ratos e pombos para ver como eles se comportavam em certas condições. Os resultados eram fantásticos: após serem treinados para bicar uma plaqueta e estas bicadas serem contingenciadas com bolotas de comida, alguns pombos chegavam a bicar 5 mil vezes ao final do que recebiam a sua pequena bolota.

Ainda hoje, muitos duvidam que uma teoria que tenha sido construída a partir da observação do comportamento animal em situação de laboratório possa explicar o comportamento humano complexo. Crítica esta que os Behavioristas Radicais vem rebatendo ao longo das últimas décadas lidando com comportamentos cada vez mais complexos sem que tenha sido necessário modificar os princípios básicos da teoria.

Mas um publicitário resolveu, talvez sem saber, fazer uma Skinner Box gigante para humanos. Será que quando colocados para em uma situação similar a de laboratório humanos se comportariam de forma similar, seguindo os mesmos princípios?

Confira o resultado:

Mario Bellatin em seu livro Flores, faz algumas considerações sobre a ciência. São reflexões interessantes e por isso, apesar de o livro ser pura literatura, resolvi compartilha-las.

“Não só se pôs em evi­dência o emprego inadequado do fármaco, como semeou-­se a desconfiança diante dos avanços da ciência em geral. Dada a repercussão mundial do assunto, teve­-se a impressão de que os cientistas utilizavam métodos diversos para assimi­lar, simultaneamente, as descobertas que iam surgindo em suas áreas. Pareciam recorrer a diferentes sistemas que lhes permitiam decodificar, num idioma universal, os elementos que fundamentavam seus achados. No entanto, até agora é um verdadeiro mistério o que ocorre com esses recursos quando a ciência, aparentemente, comete um erro. Haverá mecanismos especialmente criados para apagar esses erros, a fim de possibilitar que toda a comunidade científica recue, de repente, ante suas convicções?” (p. 7)

“Queria, sobretudo, que ficasse claro para ela que no assunto dos laboratórios não estava em jogo nenhuma questão de fé. Sua intenção era questionar a ciência até as últimas consequências. Estava convencido de que nos últimos tempos os avanços nesse campo surgiam de forma desgovernada, sem nenhum tipo de controle. Era hora de alguém advogar a favor das vítimas que esse processo desen­freado acarretava.” (p. 49)

O método ABA (Apllied Behavior Analysis) é tradicionalmente usado no tratamento de crianças autistas. Esse tratamento, baseado nos pressupostos da Analise do comportamento, é muito eficiente e tem ganhado força no Brasil nos últimos anos.

O Ms. Robson B. Faggiani, psicoterapeuta ABA, explica nesta entrevista o que é o método e como funciona de uma forma clara e bastante didática.

Para maiores informações acerca do tema acesse o site: Psicologia e Ciência.

“Mas uma tese é sempre feita sobre livros e com livros? Já vimos que também há teses experimentais onde se registram pesquisas de campo, fruto às vezes de meses e meses de observação do comportamento de um casal de ratos num labirinto. Sobre esse tipo de tese não me aventuro a falar, uma vez que o método depende da disciplina, e ademais quem costuma fazer pesquisas do gênero já vive em laboratórios, convivendo com outros pesquisadores, e não precisa deste livro. Só sei, como já disse, é que mesmo neste gênero de tese a experiência deve ser enquadrada numa discussão da literatura científica precedente, de sorte que também aí os livros entram em jogo.”

Umberto Eco, no livro Como se Faz uma Tese . 

Neste trecho Umberto Eco fala sobre a pesquisa em Psicologia Experimental, sobre o pesquisador da área e inclusive sobre a influência do ambiente no comportamento do pesquisador.

Uma delícia conhecer o ponto de vista dele e uma surpresa achar essa citação no meio do livro.

“Acho que se ela não teve coragem de falar pra mãe vai falar pro brasil todo ver?”

Foi essa frase que me fez ver a entrevista que a Xuxa concedeu ao Fantástico no domingo no dia 20 de maio de 2012.  Encontrei esta frase em um comentário no Facebook e ela ficou ecoando na minha cabeça porque eu sabia que era perfeitamente possível que uma criança não contasse para os pais que sofreu abuso e muitos anos depois, quando já adulto, contasse o que sofrera em uma situação pública.

O que acontece é que, apesar de a pessoa ser a mesma, as contingências mudaram. O nosso comportamento verbal também tem seus determinantes. Ou seja: falamos o que falamos por algum motivo. Normalmente, por vários motivos.

Quando a criança sofre abuso, é comum ela não contar o que esta acontecendo com ela porque as contingências que controlam o seu comportamento são aversivas. Contingências estas que geram sentimentos de medo, culpa e vergonha.

No site Chilhood responderam a pergunta “Porque as crianças não contam que elas têm sido abusadas?” da seguinte forma:

Por várias razões – todas compreensíveis. Em geral, o abusador convence a criança de que ela será desacreditada se revelar algo; que ela gosta daquilo e quer que aconteça; ou que é igualmente responsável pelo abuso e será punida por isso. É possível também que a criança sinta-se protegida por seu abusador e ache que estaria cometendo uma traição se falasse sobre o contato sexual entre ambos a outras pessoas. No caso de ter experimentado prazer físico, excitação ou intimidade emocional com o abuso, a criança provavelmente se sente confusa, o que a impedirá de falar. A fim de manter o ato em segredo, o abusador joga com o medo, a vergonha ou a culpa de sua vítima. Vale ressaltar que não existem situações nas quais uma criança seja responsável por qualquer interação sexual com um adolescente ou um adulto.

Nesta respostas eles explicitam as contingências aversivas que fazem com que uma criança se cale frente ao abuso.

E o que faz um adulto falar sobre uma experiência tão aversiva sobre a qual calou na infância?

Os motivos que levam um adulto a falar sobre o tema podem ser muitos.  Segundo Meyer (2008) “O comportamento verbal usualmente possui múltiplas fontes de controle. Uma única resposta pode ser função de mais de uma variável e uma única variável usualmente afeta mais de uma resposta.”

Em um adulto, com uma história de vida complexa e em um ambiente também complexo, não é apenas um motivo que o faz falar sobre determinado tema. Se no passado a criança calou por estar sob controle de contingências aversivas, muito provavelmente aquelas contingencias já não existem ou deixaram de controlar o comportamento daquele mesmo indivíduo quando adulto. O adulto encontra-se sob controle de outras contingências, e é para elas que devemos olhar.

Por isso, é verossímil que a apresentadora 1) realmente tenha sofrido abuso quando criança; 2) não tenha contado nada aos pais quando criança; 3) tenha contado na televisão que sofreu abuso 40 anos depois. As causas deste comportamentos são diferentes.

É importante alertar que, mesmo com novas contingências controlando o comportamento do adulto, isso não significa que não possa ser doloroso para ele falar sobre o assunto. E as consequências danosas do abuso podem continuar lá, mesmo que o adulto consiga falar sobre os acontecimentos.

O mais interessante é que, aparentemente, o fato de a apresentadora ter contado que sofreu abuso sexual na infância serviu de modelo para que muita gente resolvesse denunciar casos de violência domestica. Ou seja: a própria entrevista da Xuxa serviu de contexto  para que muitas pessoas ligassem (emitissem seu próprio comportamento verbal) para o serviço de denuncia de abuso.

Como dissemos, o comportamento verbal tem múltiplas causas (bem como, a maioria dos comportamentos). Por isso, antes de simplesmente duvidar do que está sendo dito, é importante analisar o contexto daquilo que está sendo dito.

Referência

MEYER, S. (et all.) 2008, Subsídios da obra “Comportamento Verbal de B.F. Skinner para a Terapia Analitico-Comportamental”. Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Belo Horizonte-MG, 008, Vol. X, nº ,1 05-118